O Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS), a partir das recentes denúncias publicizadas sobre violências sexuais praticadas por professores universitários, vem a público externar preocupação e seu total repúdio às referidas práticas ocorridas em ambientes acadêmicos, além de se manifestar em apoio às vítimas e acerca da necessária resposta institucional no enfrentamento a violências sexuais e de gênero.

As instituições de ensino superior, que se têm demonstrado referências  fundamentais na produção do conhecimento, na defesa da democracia e na proposição de horizontes  emancipatórios, revelam-se, paradoxalmente, aparatos em que se reproduzem e perpetuam relações sociais de poder, como as de gênero e sexualidade. O assédio sexual, prática profundamente arraigada na sociedade patriarcal, encontra nas universidades um terreno propício para tal reprodução, revelando a persistência de espaços de poder sobre as quais essa sorte de instituições se origina. 

O assédio, em muitos casos, é oportunizado pela manutenção de estruturas hierárquicas pessoalizadas, em que determinados sujeitos – notadamente homens – concentram capacidade de mando, trânsito institucional e diferentes capitais materiais e simbólicos. Por isso, não é raro que o assédio seja acompanhado de subordinação compulsória, ou seja, professores em lugares de poder submetem estudantes a apropriação intelectual, favores indevidos, intimidade não consentida, abuso psicológico e outras formas mais graves de violência como estupro.   

As universidades, enquanto aparatos de hegemonia, tendem a naturalizar o assédio sexual, de modo que tais práticas de controle de submissão reimprimem as desigualdades de gênero presentes no cotidiano. Isso pode ser aferido, por exemplo, no medo de estigmatização e no descrédito atribuído às vítimas denunciantes diante do prestígio social projetado nos professores e na forma como a burocracia universitária tende a tratar com indiferença e descaso as denúncias.

Tem sido comum que, em resposta às denúncias de violência sexual nas universidades, determinados sujeitos invistam na desqualificação das vítimas, em sua redução pejorativa à condição de “canceladoras”, “lacradoras” ou “identitárias” e, inclusive, em sua criminalização. Essa postura é facilmente compartilhada por atores situados à direita ou à esquerda do espectro político e, de regra, ancora-se em noções abstratas de “liberdade de expressão” ou “liberdade de cátedra”. Ela não apenas visa a obliterar as e os denunciantes como afeta a própria legitimidade da denúncia e da pauta da violência, assim como sua necessária vocalização no interior das universidades. 

Com isso, o IPDMS  não intenciona reforçar eventuais processos de estigmatização de acusados ou antecipar punições. Pelo contrário, espera-se que se realize uma apuração rigorosa dos fatos, sendo respeitado o direito de defesa, sem açodamentos. 

Por outro lado, as respostas administrativas e judiciais aos casos precisam considerar, material e procedimentalmente, os modos como desigualdades de gênero, raciais, geracionais e de classe operam nos contextos de vulnerabilização, facilitam as práticas abusivas e dificultam, por parte das vítimas, a compreensão da violência e as oportunidades de reação e de superação. É crucial, por isso, que se escute o sofrimento das vítimas e, para tanto, que haja amparo institucional suficientemente seguro e acolhedor que garanta a vocalização da violência.  

Importa notar que o enfrentamento à violência não resulta de soluções individuais, mas requer mudanças estruturais e coletivas que incidam na prevenção e na administração dos casos. Isto demanda, por exemplo, maiores impessoalidade e transparência na avaliação e na seleção de estudantes, na alocação de recursos e na distribuição de vagas. Ademais, é necessário que estudos e pesquisas sobre gênero e sexualidade integrem grades curriculares, programas de curso e referências bibliográficas, mobilizando especialmente professores e estudantes homens, que devem ter em conta que as discussões em questão não são meramente “específicas” ou apenas alusivas a mulheres (cis ou trans) ou a LGBTQIA+. 

Trata-se afinal de relações sociais que constituem chaves de inteligibilidade, formas de compreensão, discursos e experiências que marcam fortemente as estruturas de poder  e, inclusive, políticas de educação. 

O IPDMS reforça seu apoio e sua solidariedade a todas as vítimas de violências sexuais cometidas no ambiente acadêmico e reitera o seu repúdio às referidas práticas. É preciso repensar a universidade e as relações de poder que envolvem professores e estudantes, para que funcionem como espaços de crítica, aprendizado, produção de conhecimento e de democracia. É assim que este Instituto se compromete com o desenvolvimento de pesquisas, debates e práticas para uma universidade livre de assédio.