Rodrigo de Medeiros Silva aborda, neste livro, um tema extremamente relevante para os povos, comunidades e populações tradicionais: trata-se do dano existencial coletivo e da consequente possibilidade de reparação quando este dano atinge não apenas o indivíduo, como também as coletividades. É preciso reconhecer que esta discussão encontra-se marginalizada tanto no âmbito do direito, quanto nas instâncias do debate acadêmico.
No Brasil vivemos um período conturbado e extremamente preocupante, especialmente para povos indígenas e comunidades quilombolas, em função das constantes ameaças aos direitos coletivos – de modo especial o direito à terra, lugar onde se pode viver e planejar a vida com abundância e com autonomia, no âmbito das coletividades. Direito, na concepção da maioria dos povos e culturas com os quais tenho convivido, não se refere à pessoa, ao indivíduo, e sim, numa acepção bem mais abrangente, vincula-se à justiça dentro de uma perspectiva plural e do entendimento de que é o bem viver que dá sentido à existência de um povo ou comunidade. Tais concepções sustentam-se em cosmo-ontologias nas quais o direito e a justiça devem abarcar não somente a vida humana, como também toda a gama de seres que compõem o vasto mosaico de diferenças em cada cultura.
O trabalho de Rodrigo tem o grande mérito de abordar o Direito como ferramenta que deve funcionar para fazer justiça, especialmente diante de práticas cotidianas dos setores públicos – poderes instituídos – que, por suas ações e omissões, legitimam ou respaldam certos empreendimentos que violam direitos subjetivos e, mais ainda, inviabilizam prática culturais milenares de diferentes povos, impactam sobre seus ambientes e, assim, também sobre as formas de ser, viver e construir relações de reciprocidade entre pessoas e com a natureza – terra, águas, matas.
A reparação ao dano existencial vem sendo debatido e pleiteado, na sociedade, por organizações de distintos segmentos sociais – a exemplos dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e dos coletivos que se identificam por uma ancestralidade africana comum e que foram escravizados. A escravização, uma das mais vergonhosas passagens de nossa história, foi uma das engrenagens do sistema de dominação, exploração e espoliação dos bens, da vida e do bem viver das pessoas e povos.
Roberto Antonio Liebgott- membro do CIMI/Sul e bacharel em Direito pela PUC-RS